2 de fevereiro de 2013

O pão com manteiga é pago


Há tempos, almoçava numa esplanada na baixa de Lisboa com uma amiga e testemunhámos a "discussão do pão com manteiga":

Três turistas (de nacionalidade irrelevante, mas nórdica) recebem a conta na mesa ao lado e ficam surpreendidos. Chamam o empregado de mesa e dizem-lhe que se  enganou, porque cobrou o pão e a manteiga (e mais um ou dois acepipes). O empregado confirma a inscrição no papel: "Sim, as entradas são pagas". A estrangeirada replica, admirada: "mas nós não sabíamos". "Pois, mas comeram", responde o cavalheiro de camisa branca e calça preta, com avental à cintura. "Mas não nos disseram que era pago. Você trouxe-as para a mesa. Pensávamos que eram gratuitas", insistem os turistas. A conversa andou nisto até que os turistas dizem: "mas nós não vamos pagar isto". O empregado ficou meio sem jeito, excusou-se e entrou no restaurante (na minha imaginação, para ir buscar o maior cutelo da cozinha, mas suponho que tenha sido para conferenciar com o patrão). Quando regressou, trazia um ar conformado, mas ao mesmo tempo irado. Rematou a conversa com um: "vão lá embora, mas em Portugal é assim, as entradas são pagas!" E lá foram os turistas, de máquina fotográfica ao pescoço, sem pagar as entradas que comeram, porque ninguém os avisou de que seriam cobradas.

Há dois anos, os portugueses acharam que não suportavam mais austeridade e pediram ajuda internacional, certos de que as contrapartidas seriam poucas ou nenhumas, até porque somos um povo simpático, com jogadores de futebol do catano, boa comida e sempre temos o fado. Comemos o pão com manteiga, as azeitonas, os rissóis e aquela gosma de sapateira que ninguém sabe o que leva na mistura.

A meio da refeição, chega-nos a conta, chamamos o empregado que nos serviu e dizemos:"Epá, você enganou-se e está-nos a cobrar juros e essas coisas. Veja lá isso." A troika, de laço preto na camisa branca e avental, diz-nos "Não, não. Isso era tudo pago e os senhores consumiram". "Ah, mas ninguém nos avisou que isto era pago. Puseram-nos isto em cima da mesa e achamos que era à borla", insistimos nós. O triunvirato (como lhe chama Portas) levanta o sobrolho e replica-nos asperamente: "sabe que isto na Europa é assim, as entradas são pagas!"

A diferença para a situação quase análoga antes descrita, é que não nos podemos ir embora sem pagar, sob pena de restaurante nenhum sequer nos abrir a porta no futuro e de morrermos à fome porque não temos onde nem como cozinhar a nossa própria comida.

Se podíamos ter perguntado o preço antes? Talvez. Os acepipes são caros demais? É provável. Será que o restaurante faz desconto para cartão da Zon? Não, não faz e desconta sem falta os cheques pré datados que passamos no dia em que vencem.

Espanha já percebeu que os acepipes custam caro e apesar da fome ser tanta ou mais do que a portuguesa, protela o mais que pode levar a mão ao apetitoso rissol de camarão ali a olhar para o país.

Não teço considerações sobre os trocos que temos no bolso e a nossa capacidade para os entregar ao restaurante, mas estou em crer que a partir de agora os portugueses vão começar a perguntar o preço de tudo o que levam à boca.

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O pão com manteiga é pago