16 de outubro de 2009

Liderar ou obrigar? Uma história canina...

Aprendi recentemente que a liderança conquista-se, não se impõe. Um pouco como as lichias chinesas, que são um gosto adquirido e ninguém gosta delas à primeira, mas aprendi a degustá-las com um requintado prazer.

Quando veio para casa, o meu cão (chamemos-lhe Sinupe) tinha poucos meses de vida. Primeiro, olhava para mim como uma parede. Um nada. Uma espécie de bibelot em cima do sofá. Depois, quando se apercebeu que da parede vinha comida, começou a bajular-me e a perseguir-me pela casa à espera que caísse um tijolo em forma de ração. Com o desenrolar do fenómeno mictório no tapete da sala, decidi adquirir um recipiente próprio para as actividades "naturais" do bicho. Mais um bibelot, pensou o cão. Aos poucos, começou a olhar para aquilo como uma espécie de... parque infantil. Para quê conspurcar uma tigela gigante de areia de gato, quando se pode simplesmente rebolar lá dentro e daí tirar horas a fio de gozo interminável?

Obviamente, a compra não teve o efeito pretendido. Não sendo eu pessoa de desistir, tentei o método behaviorista. Esta abordagem mostrou-se demorada, principalmente na longa espera para que o Sinupe arqueasse as pernas com intenção de descarregar o "combustível consumido". Entre as muitas vezes em que reles mamífero preferiu cagar a viagem entre o tapete e a caixa de areia por via aérea, lá apareceu uma ou outra em que ele foi mesmo obrigado a despejar o conteúdo da tripa no recipiente próprio (até porque não o deixava sair de lá até ter acabado).

Muitos exercícios semelhantes depois, ele, pasme-se, começou a caminhar sozinho para o caixote, entrar, baixar o quadril, "arrear o calhau"... e rebolar-se em seguida. Fiquei semi-satisfeito, mas com a sensação de dever cumprido. Dei-lhe um biscoito. Ele gostou e continuou a fazê-lo. Claro que a tradicional abordagem científica conhecida como "cagas-me-o-tapete-e-esfrego-te-lá-o-focinho-até-teres-hemorróidas-nas-fossas-nasais" poderia ter resultado, mas prefiro pensar que o meu cão, apesar de não ter neocórtex, tem cérebro e por isso é capaz de fazer um raciocínio lógico de "se o chavalo insiste em meter-me ali na altura de esvaziar a tripa, se calhar tem razão... vou fazer-lhe a vontade e ainda ganho uns trocos".

Hoje, quando ele arqueia as canetas no tapete e faz pontaria à parte mais clara, eu digo: Sinupe!!... e ele parece perceber. Faz um suspiro, contrariado e dirige-se à caixa de areia. Eu dou-lhe um biscoito.

Gosto de pensar que por não o ter maltratado neste processo, ele me respeita e me vê como um líder. Não como um ditador.

Por esta altura, acredito que ele sabe que faz mal quando aponta o "material bélico" ao tapete e sabe que os honorários da 5 à sec podem servir para alimentar um pequeno país de terceiro mundo. Já apontou uma ou outra vez... nunca disparou. Acho que ele gosta de me testar, a ver se me desleixo.

Nesta caserna há disciplina, mas também há respeito. Somos grandes amigos. Aprendi recentemente que a liderança conquista-se, não se impõe.

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Liderar ou obrigar? Uma história canina...

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Aprendi recentemente que a liderança conquista-se, não se impõe. Um pouco como as lichias chinesas, que são um gosto adquirido e ninguém gosta delas à primeira, mas aprendi a degustá-las com um requintado prazer.

Quando veio para casa, o meu cão (chamemos-lhe Sinupe) tinha poucos meses de vida. Primeiro, olhava para mim como uma parede. Um nada. Uma espécie de bibelot em cima do sofá. Depois, quando se apercebeu que da parede vinha comida, começou a bajular-me e a perseguir-me pela casa à espera que caísse um tijolo em forma de ração. Com o desenrolar do fenómeno mictório no tapete da sala, decidi adquirir um recipiente próprio para as actividades "naturais" do bicho. Mais um bibelot, pensou o cão. Aos poucos, começou a olhar para aquilo como uma espécie de... parque infantil. Para quê conspurcar uma tigela gigante de areia de gato, quando se pode simplesmente rebolar lá dentro e daí tirar horas a fio de gozo interminável?

Obviamente, a compra não teve o efeito pretendido. Não sendo eu pessoa de desistir, tentei o método behaviorista. Esta abordagem mostrou-se demorada, principalmente na longa espera para que o Sinupe arqueasse as pernas com intenção de descarregar o "combustível consumido". Entre as muitas vezes em que reles mamífero preferiu cagar a viagem entre o tapete e a caixa de areia por via aérea, lá apareceu uma ou outra em que ele foi mesmo obrigado a despejar o conteúdo da tripa no recipiente próprio (até porque não o deixava sair de lá até ter acabado).

Muitos exercícios semelhantes depois, ele, pasme-se, começou a caminhar sozinho para o caixote, entrar, baixar o quadril, "arrear o calhau"... e rebolar-se em seguida. Fiquei semi-satisfeito, mas com a sensação de dever cumprido. Dei-lhe um biscoito. Ele gostou e continuou a fazê-lo. Claro que a tradicional abordagem científica conhecida como "cagas-me-o-tapete-e-esfrego-te-lá-o-focinho-até-teres-hemorróidas-nas-fossas-nasais" poderia ter resultado, mas prefiro pensar que o meu cão, apesar de não ter neocórtex, tem cérebro e por isso é capaz de fazer um raciocínio lógico de "se o chavalo insiste em meter-me ali na altura de esvaziar a tripa, se calhar tem razão... vou fazer-lhe a vontade e ainda ganho uns trocos".

Hoje, quando ele arqueia as canetas no tapete e faz pontaria à parte mais clara, eu digo: Sinupe!!... e ele parece perceber. Faz um suspiro, contrariado e dirige-se à caixa de areia. Eu dou-lhe um biscoito.

Gosto de pensar que por não o ter maltratado neste processo, ele me respeita e me vê como um líder. Não como um ditador.

Por esta altura, acredito que ele sabe que faz mal quando aponta o "material bélico" ao tapete e sabe que os honorários da 5 à sec podem servir para alimentar um pequeno país de terceiro mundo. Já apontou uma ou outra vez... nunca disparou. Acho que ele gosta de me testar, a ver se me desleixo.

Nesta caserna há disciplina, mas também há respeito. Somos grandes amigos. Aprendi recentemente que a liderança conquista-se, não se impõe.

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