2 de fevereiro de 2013

O pão com manteiga é pago


Há tempos, almoçava numa esplanada na baixa de Lisboa com uma amiga e testemunhámos a "discussão do pão com manteiga":

Três turistas (de nacionalidade irrelevante, mas nórdica) recebem a conta na mesa ao lado e ficam surpreendidos. Chamam o empregado de mesa e dizem-lhe que se  enganou, porque cobrou o pão e a manteiga (e mais um ou dois acepipes). O empregado confirma a inscrição no papel: "Sim, as entradas são pagas". A estrangeirada replica, admirada: "mas nós não sabíamos". "Pois, mas comeram", responde o cavalheiro de camisa branca e calça preta, com avental à cintura. "Mas não nos disseram que era pago. Você trouxe-as para a mesa. Pensávamos que eram gratuitas", insistem os turistas. A conversa andou nisto até que os turistas dizem: "mas nós não vamos pagar isto". O empregado ficou meio sem jeito, excusou-se e entrou no restaurante (na minha imaginação, para ir buscar o maior cutelo da cozinha, mas suponho que tenha sido para conferenciar com o patrão). Quando regressou, trazia um ar conformado, mas ao mesmo tempo irado. Rematou a conversa com um: "vão lá embora, mas em Portugal é assim, as entradas são pagas!" E lá foram os turistas, de máquina fotográfica ao pescoço, sem pagar as entradas que comeram, porque ninguém os avisou de que seriam cobradas.

Há dois anos, os portugueses acharam que não suportavam mais austeridade e pediram ajuda internacional, certos de que as contrapartidas seriam poucas ou nenhumas, até porque somos um povo simpático, com jogadores de futebol do catano, boa comida e sempre temos o fado. Comemos o pão com manteiga, as azeitonas, os rissóis e aquela gosma de sapateira que ninguém sabe o que leva na mistura.

A meio da refeição, chega-nos a conta, chamamos o empregado que nos serviu e dizemos:"Epá, você enganou-se e está-nos a cobrar juros e essas coisas. Veja lá isso." A troika, de laço preto na camisa branca e avental, diz-nos "Não, não. Isso era tudo pago e os senhores consumiram". "Ah, mas ninguém nos avisou que isto era pago. Puseram-nos isto em cima da mesa e achamos que era à borla", insistimos nós. O triunvirato (como lhe chama Portas) levanta o sobrolho e replica-nos asperamente: "sabe que isto na Europa é assim, as entradas são pagas!"

A diferença para a situação quase análoga antes descrita, é que não nos podemos ir embora sem pagar, sob pena de restaurante nenhum sequer nos abrir a porta no futuro e de morrermos à fome porque não temos onde nem como cozinhar a nossa própria comida.

Se podíamos ter perguntado o preço antes? Talvez. Os acepipes são caros demais? É provável. Será que o restaurante faz desconto para cartão da Zon? Não, não faz e desconta sem falta os cheques pré datados que passamos no dia em que vencem.

Espanha já percebeu que os acepipes custam caro e apesar da fome ser tanta ou mais do que a portuguesa, protela o mais que pode levar a mão ao apetitoso rissol de camarão ali a olhar para o país.

Não teço considerações sobre os trocos que temos no bolso e a nossa capacidade para os entregar ao restaurante, mas estou em crer que a partir de agora os portugueses vão começar a perguntar o preço de tudo o que levam à boca.

11 de outubro de 2012

O mosquito é meu!

É meu, o mosquito, como é vosso. Passou a ser. Tão nosso como as bananas e o vinho. E provavelmente há de nos sobreviver a todos. Que o digam as baratas que por aqui andam há 50 milhões de anos. Da mesma maneira que a maior parte das pessoas aprendeu cedo a lidar com a restante "bicheza", o mosquito não deverá ser diferente. Assim de repente, consigo lembrar-me de 3 ou 4 doenças piores que a dengue transmissíveis pelas baratas, ratos, pombos, cães e carraças. Para espanto generalizado, vivemos todos os dias entre eles. Não fazemos é a cama em cima de uma carcaça em decomposição, não comemos coisas que encontramos no chão (e a regra dos 8 segundos é um mito pouco higiénico), não vamos jogar à bola para dentro do esgoto nem fazemos praia nús em cima das rochas brancas onde as gaivotas se aliviam.

Se eu gostava de viver numa região "dengue-free"? Gostava. Mas também gostava que os fins de semana tivessem 5 dias, que o euromilhões fosse de um número só, que Portugal fosse campeão do mundo e que os Delfins nunca tivessem existido. Mas lá calha que volta e meia tenho que levar com eles na rádio e assim que deixo de sangrar dos ouvidos, mudo de estação. Lá calha que há seleções de futebol que dão pelo nome de Brasil, Espanha, Argentina ou Alemanha. Lá calha que por muito que acredite nos 5 números e 2 estrelas onde fiz o xis, há sempre um casal obeso inglês que acredita mais, mas continuo a jogar. Lá calha que os meus fins de semana por vezes teem apenas um dia, mas sei que a recompensa virá em formas metafísicas de gáudio e regozijo profissional e espiritual.

Há, no entanto, uma particularidade. Quando vou de visita a uma região indígena, populada por canibais, será útil ser avisado atempadamente e não apenas quando der por mim dentro de um banho quente de cenouras, nabos, batatas e ervas aromáticas, com um pigmeu a espetar-me um garfo a cada 15 minutos para ver se estou tenro. Os turistas de qualquer região merecem mais, sob pena de apelidarem o local, não de exótico e sub-tropical (que até fica bem em qualquer brochura promocional), mas de terceiro-mundista. Avisar alguém que há mosquitos algures e não lhes dizer o perigo que eles carregam no ferrão é o mesmo que avisar que numa excusa região indígena há pessoas e omitir que por acaso são canibais e comem os visitantes.

Dito isto, há regiões que estariam bem piores com o mosquito do que nós. Duas palavras para reflexão: Escócia e kilt.

16 de outubro de 2009

Liderar ou obrigar? Uma história canina...

Aprendi recentemente que a liderança conquista-se, não se impõe. Um pouco como as lichias chinesas, que são um gosto adquirido e ninguém gosta delas à primeira, mas aprendi a degustá-las com um requintado prazer.

Quando veio para casa, o meu cão (chamemos-lhe Sinupe) tinha poucos meses de vida. Primeiro, olhava para mim como uma parede. Um nada. Uma espécie de bibelot em cima do sofá. Depois, quando se apercebeu que da parede vinha comida, começou a bajular-me e a perseguir-me pela casa à espera que caísse um tijolo em forma de ração. Com o desenrolar do fenómeno mictório no tapete da sala, decidi adquirir um recipiente próprio para as actividades "naturais" do bicho. Mais um bibelot, pensou o cão. Aos poucos, começou a olhar para aquilo como uma espécie de... parque infantil. Para quê conspurcar uma tigela gigante de areia de gato, quando se pode simplesmente rebolar lá dentro e daí tirar horas a fio de gozo interminável?

Obviamente, a compra não teve o efeito pretendido. Não sendo eu pessoa de desistir, tentei o método behaviorista. Esta abordagem mostrou-se demorada, principalmente na longa espera para que o Sinupe arqueasse as pernas com intenção de descarregar o "combustível consumido". Entre as muitas vezes em que reles mamífero preferiu cagar a viagem entre o tapete e a caixa de areia por via aérea, lá apareceu uma ou outra em que ele foi mesmo obrigado a despejar o conteúdo da tripa no recipiente próprio (até porque não o deixava sair de lá até ter acabado).

Muitos exercícios semelhantes depois, ele, pasme-se, começou a caminhar sozinho para o caixote, entrar, baixar o quadril, "arrear o calhau"... e rebolar-se em seguida. Fiquei semi-satisfeito, mas com a sensação de dever cumprido. Dei-lhe um biscoito. Ele gostou e continuou a fazê-lo. Claro que a tradicional abordagem científica conhecida como "cagas-me-o-tapete-e-esfrego-te-lá-o-focinho-até-teres-hemorróidas-nas-fossas-nasais" poderia ter resultado, mas prefiro pensar que o meu cão, apesar de não ter neocórtex, tem cérebro e por isso é capaz de fazer um raciocínio lógico de "se o chavalo insiste em meter-me ali na altura de esvaziar a tripa, se calhar tem razão... vou fazer-lhe a vontade e ainda ganho uns trocos".

Hoje, quando ele arqueia as canetas no tapete e faz pontaria à parte mais clara, eu digo: Sinupe!!... e ele parece perceber. Faz um suspiro, contrariado e dirige-se à caixa de areia. Eu dou-lhe um biscoito.

Gosto de pensar que por não o ter maltratado neste processo, ele me respeita e me vê como um líder. Não como um ditador.

Por esta altura, acredito que ele sabe que faz mal quando aponta o "material bélico" ao tapete e sabe que os honorários da 5 à sec podem servir para alimentar um pequeno país de terceiro mundo. Já apontou uma ou outra vez... nunca disparou. Acho que ele gosta de me testar, a ver se me desleixo.

Nesta caserna há disciplina, mas também há respeito. Somos grandes amigos. Aprendi recentemente que a liderança conquista-se, não se impõe.

14 de agosto de 2009

E Paul Kruger sucede a... Manuel Pinho!

Numa altura em que as fronteiras nacionais são cada vez mais transparentes e cada vez menos restritivas...

- Quando as empresas já não são nacionais (mas muitas vezes nacionalizadas). São assimiladas por outras empresas estrangeiras ou compradas, mas mantendo tudo menos uma identidade puramente nacional;

- Quando os clubes já não são de um qualquer país, mas de um milionário russo ou árabe;

- Quando os jogadores da Selecção Nacional são excedentários de um outro país;

- Quando os gestores públicos não são portugueses, mas "importados", por alegada competência em área específica;

Pensar que todas as respostas aos problemas nacionais estão dentro das fronteiras é tolice. Se a verdade fosse esta, os clubes de futebol não compravam jogadores estrangeiros. Os portugueses podem ser muito bons em muitas coisas, mas por ventura (e para descontentamento de muito nacionalista fundamentalista), não serão todos bons em todas as coisas.

Vamos a um "suponhamos": Um Ministro da Economia, chamemos-lhe ficticiamente de Manuel Pinho, faz um gesto obsceno/cómico/ofensivo no Parlamento Nacional e é demitido (ou demite-se). Em seguida à cena de poucas lágrimas e muito suor, o Primeiro-Ministro anuncia não a transformação "marvellesca" de Teixeira dos Santos em Super-Ministro, (mesmo estando perto das "novenas" das eleições) mas a contratação (sim, contratação) de Paul Krugman para preencher a vaga deixada pelo antigo governante obcecado por linguagem gestual.

"Meu Deus (para quem acredita; meu Jesus para os benfiquistas)! Mas o homem não é português! Nem socialista!"

Realmente, não é. Mas é prémio Nobel da Economia em 2008, pela sua "Análise de padrões de comércio e localização da actividade económica".

Entre pagar um ordenado de ministro a um português de capacidade profissional nacional e pagar um ordenado semelhante ou maior a uma pessoa estrangeira que ostenta o mesmo título académico, mas cuja capacidade profissional está a um nível de excelência mundial... meus amigos, desculpem-me a falta de nacionalismo, mas que venha o "cámone"!

Naturalmente que estamos em terreno fantasioso. Portugal nunca conseguiria contratar o Paul Kruger, que é o equivalente economicista ao Cristiano Ronaldo, mas há por aí muito "jogador" de excelente técnica e domínio da bola. So para dar uma ideia, há cerca de 200 candidatos de variadíssimas nacionalidades para cada categoria do Prémio Nobel.

Porque não expandir o conceito de globalização de recursos de gestão governamental? (caso tenha acabado de o criar, digamos desenvolvimento, maturação e expansão).

Se o Shaktar Donetsk e o Zenit de S. Petersburgo (sim, esses colossos europeus) podem ganhar a Taça Uefa com recurso a mão-de-obra estrangeira em campo, porque não pode o meu país ser dos primeiros a livrar-se da crise, mesmo não sendo com um onze titular lusitano?

A folha de ordenados do Governo ia tornar-se mais pesada do que a Margarida Martins em cima do José Carlos Malato, em cima de Fernando Mendes? É provável. Mas poupava-se milhões em chatices vindouras e erros previsíveis.

Ao fim ao cabo, a contratação internacional já se faz em todo o lado, até nas empresas do Estado.

Imaginem as campanhas eleitorais: "Boa noite! O PSD acaba de anunciar a contratação de Giuliano Tremonti para a pasta das finanças, caso vença as eleições legislativas. O actual ministro italiano já fez saber que está entusiasmado com a hipótese de "vestir a camisola" verde-rubra e que fará tudo para tirar Portugal de "uma situação complicada". Recorde-se que ainda ontem, o PS tinha anunciado que a escolha para ficar com a tutela das finanças é Wolfgang Clement, antigo ministro alemão da Economia e Trabalho."

O exemplo é o económico, mas é aplicável ao restante elenco governativo e estatal (eu salvaguardava os cargos de Primeiro-ministro, Presidente da República só para os 100% "tugas", não vão os espanhóis começar a ter ideias de anexação...). Não forçosamente, mas hipoteticamente.

A globalização é inevitável? Que seja! Mas ao menos que tiremos proveito dela...

4 de agosto de 2009

Fim do mundo

Era noite cerrada. Daquelas que não se vê um palmo à frente do nariz. Escura como o buraco onde se meteu o Sporting. No centro da cidade erguiam-se altas estruturas cúbicas e cilíndricas, cinzentas e pretas. O único som naquela vastidão de altos e baixos geométricos vinha de um carrinho de cachorros quentes, empurrado por uma pequena figura arqueada. Não mais alto do que uma mesa de canto, o velho tinha a cara enrugada como um Shar-Pei (aquele cão dos anúncios, cheio de dobras). As longas barbas brancas faziam dele uma espécie de Pai-Natal dos esfomeados.

O ranger da roda esquerda daquela caixa branca, já suja do uso, entrava pelo ouvido e martelava o tímpano como a voz de Paulo Portas. De lado na caixa, podia ler-se em tipo de letra universitário e a encarnado a inscrição "salsicha quente e fresca". A originalidade da coisa normalmente até chamava a clientela, mas este dia... nem vivalma. Nem carros, nem motas, nem sequer os vagabundos lá estavam hoje. Marlene, a prostituta que costumava rondar as esquinas do bairro não estava lá. Era velha demais, feia demais e faladora demais para que alguém a quisesse levar por uma noite ou sequer por uma hora. Nunca tinha clientes, mas estava lá todos os dias. Tinha-se tornado um hábito. Este dia... não. Teria alguém perdido a cabeça e comprado o tempo de Marlene? Um cego, surdo e mudo, talvez... Mas, e os outros?

Da boca do velho do carrinho apenas duas palavras, repetidas circularmente vezes sem conta: "acabou tudo, acabou tudo, acabou tudo..." Estaria a falar de quê? Das salsichas? Das esperanças do Sporting em ganhar o campeonato? Do mundo?

Subitamente um infernal apito soou por toda a cidade. Como o alarme de um carro amplificado mil vezes, o som insistia e ficava cada vez mais alto. Não resisti mais... levantei a mão e esmurrei o despertador como se fosse a minha professora de matemática do 9º ano (eu hei-de vingar-me um dia...). Acordei sobressaltado com apenas um pensamento a percorrer-me a mente... Apetece-me salsichas!

O pão com manteiga é pago

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Há tempos, almoçava numa esplanada na baixa de Lisboa com uma amiga e testemunhámos a "discussão do pão com manteiga":

Três turistas (de nacionalidade irrelevante, mas nórdica) recebem a conta na mesa ao lado e ficam surpreendidos. Chamam o empregado de mesa e dizem-lhe que se  enganou, porque cobrou o pão e a manteiga (e mais um ou dois acepipes). O empregado confirma a inscrição no papel: "Sim, as entradas são pagas". A estrangeirada replica, admirada: "mas nós não sabíamos". "Pois, mas comeram", responde o cavalheiro de camisa branca e calça preta, com avental à cintura. "Mas não nos disseram que era pago. Você trouxe-as para a mesa. Pensávamos que eram gratuitas", insistem os turistas. A conversa andou nisto até que os turistas dizem: "mas nós não vamos pagar isto". O empregado ficou meio sem jeito, excusou-se e entrou no restaurante (na minha imaginação, para ir buscar o maior cutelo da cozinha, mas suponho que tenha sido para conferenciar com o patrão). Quando regressou, trazia um ar conformado, mas ao mesmo tempo irado. Rematou a conversa com um: "vão lá embora, mas em Portugal é assim, as entradas são pagas!" E lá foram os turistas, de máquina fotográfica ao pescoço, sem pagar as entradas que comeram, porque ninguém os avisou de que seriam cobradas.

Há dois anos, os portugueses acharam que não suportavam mais austeridade e pediram ajuda internacional, certos de que as contrapartidas seriam poucas ou nenhumas, até porque somos um povo simpático, com jogadores de futebol do catano, boa comida e sempre temos o fado. Comemos o pão com manteiga, as azeitonas, os rissóis e aquela gosma de sapateira que ninguém sabe o que leva na mistura.

A meio da refeição, chega-nos a conta, chamamos o empregado que nos serviu e dizemos:"Epá, você enganou-se e está-nos a cobrar juros e essas coisas. Veja lá isso." A troika, de laço preto na camisa branca e avental, diz-nos "Não, não. Isso era tudo pago e os senhores consumiram". "Ah, mas ninguém nos avisou que isto era pago. Puseram-nos isto em cima da mesa e achamos que era à borla", insistimos nós. O triunvirato (como lhe chama Portas) levanta o sobrolho e replica-nos asperamente: "sabe que isto na Europa é assim, as entradas são pagas!"

A diferença para a situação quase análoga antes descrita, é que não nos podemos ir embora sem pagar, sob pena de restaurante nenhum sequer nos abrir a porta no futuro e de morrermos à fome porque não temos onde nem como cozinhar a nossa própria comida.

Se podíamos ter perguntado o preço antes? Talvez. Os acepipes são caros demais? É provável. Será que o restaurante faz desconto para cartão da Zon? Não, não faz e desconta sem falta os cheques pré datados que passamos no dia em que vencem.

Espanha já percebeu que os acepipes custam caro e apesar da fome ser tanta ou mais do que a portuguesa, protela o mais que pode levar a mão ao apetitoso rissol de camarão ali a olhar para o país.

Não teço considerações sobre os trocos que temos no bolso e a nossa capacidade para os entregar ao restaurante, mas estou em crer que a partir de agora os portugueses vão começar a perguntar o preço de tudo o que levam à boca.

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O mosquito é meu!

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É meu, o mosquito, como é vosso. Passou a ser. Tão nosso como as bananas e o vinho. E provavelmente há de nos sobreviver a todos. Que o digam as baratas que por aqui andam há 50 milhões de anos. Da mesma maneira que a maior parte das pessoas aprendeu cedo a lidar com a restante "bicheza", o mosquito não deverá ser diferente. Assim de repente, consigo lembrar-me de 3 ou 4 doenças piores que a dengue transmissíveis pelas baratas, ratos, pombos, cães e carraças. Para espanto generalizado, vivemos todos os dias entre eles. Não fazemos é a cama em cima de uma carcaça em decomposição, não comemos coisas que encontramos no chão (e a regra dos 8 segundos é um mito pouco higiénico), não vamos jogar à bola para dentro do esgoto nem fazemos praia nús em cima das rochas brancas onde as gaivotas se aliviam.

Se eu gostava de viver numa região "dengue-free"? Gostava. Mas também gostava que os fins de semana tivessem 5 dias, que o euromilhões fosse de um número só, que Portugal fosse campeão do mundo e que os Delfins nunca tivessem existido. Mas lá calha que volta e meia tenho que levar com eles na rádio e assim que deixo de sangrar dos ouvidos, mudo de estação. Lá calha que há seleções de futebol que dão pelo nome de Brasil, Espanha, Argentina ou Alemanha. Lá calha que por muito que acredite nos 5 números e 2 estrelas onde fiz o xis, há sempre um casal obeso inglês que acredita mais, mas continuo a jogar. Lá calha que os meus fins de semana por vezes teem apenas um dia, mas sei que a recompensa virá em formas metafísicas de gáudio e regozijo profissional e espiritual.

Há, no entanto, uma particularidade. Quando vou de visita a uma região indígena, populada por canibais, será útil ser avisado atempadamente e não apenas quando der por mim dentro de um banho quente de cenouras, nabos, batatas e ervas aromáticas, com um pigmeu a espetar-me um garfo a cada 15 minutos para ver se estou tenro. Os turistas de qualquer região merecem mais, sob pena de apelidarem o local, não de exótico e sub-tropical (que até fica bem em qualquer brochura promocional), mas de terceiro-mundista. Avisar alguém que há mosquitos algures e não lhes dizer o perigo que eles carregam no ferrão é o mesmo que avisar que numa excusa região indígena há pessoas e omitir que por acaso são canibais e comem os visitantes.

Dito isto, há regiões que estariam bem piores com o mosquito do que nós. Duas palavras para reflexão: Escócia e kilt.

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Liderar ou obrigar? Uma história canina...

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Aprendi recentemente que a liderança conquista-se, não se impõe. Um pouco como as lichias chinesas, que são um gosto adquirido e ninguém gosta delas à primeira, mas aprendi a degustá-las com um requintado prazer.

Quando veio para casa, o meu cão (chamemos-lhe Sinupe) tinha poucos meses de vida. Primeiro, olhava para mim como uma parede. Um nada. Uma espécie de bibelot em cima do sofá. Depois, quando se apercebeu que da parede vinha comida, começou a bajular-me e a perseguir-me pela casa à espera que caísse um tijolo em forma de ração. Com o desenrolar do fenómeno mictório no tapete da sala, decidi adquirir um recipiente próprio para as actividades "naturais" do bicho. Mais um bibelot, pensou o cão. Aos poucos, começou a olhar para aquilo como uma espécie de... parque infantil. Para quê conspurcar uma tigela gigante de areia de gato, quando se pode simplesmente rebolar lá dentro e daí tirar horas a fio de gozo interminável?

Obviamente, a compra não teve o efeito pretendido. Não sendo eu pessoa de desistir, tentei o método behaviorista. Esta abordagem mostrou-se demorada, principalmente na longa espera para que o Sinupe arqueasse as pernas com intenção de descarregar o "combustível consumido". Entre as muitas vezes em que reles mamífero preferiu cagar a viagem entre o tapete e a caixa de areia por via aérea, lá apareceu uma ou outra em que ele foi mesmo obrigado a despejar o conteúdo da tripa no recipiente próprio (até porque não o deixava sair de lá até ter acabado).

Muitos exercícios semelhantes depois, ele, pasme-se, começou a caminhar sozinho para o caixote, entrar, baixar o quadril, "arrear o calhau"... e rebolar-se em seguida. Fiquei semi-satisfeito, mas com a sensação de dever cumprido. Dei-lhe um biscoito. Ele gostou e continuou a fazê-lo. Claro que a tradicional abordagem científica conhecida como "cagas-me-o-tapete-e-esfrego-te-lá-o-focinho-até-teres-hemorróidas-nas-fossas-nasais" poderia ter resultado, mas prefiro pensar que o meu cão, apesar de não ter neocórtex, tem cérebro e por isso é capaz de fazer um raciocínio lógico de "se o chavalo insiste em meter-me ali na altura de esvaziar a tripa, se calhar tem razão... vou fazer-lhe a vontade e ainda ganho uns trocos".

Hoje, quando ele arqueia as canetas no tapete e faz pontaria à parte mais clara, eu digo: Sinupe!!... e ele parece perceber. Faz um suspiro, contrariado e dirige-se à caixa de areia. Eu dou-lhe um biscoito.

Gosto de pensar que por não o ter maltratado neste processo, ele me respeita e me vê como um líder. Não como um ditador.

Por esta altura, acredito que ele sabe que faz mal quando aponta o "material bélico" ao tapete e sabe que os honorários da 5 à sec podem servir para alimentar um pequeno país de terceiro mundo. Já apontou uma ou outra vez... nunca disparou. Acho que ele gosta de me testar, a ver se me desleixo.

Nesta caserna há disciplina, mas também há respeito. Somos grandes amigos. Aprendi recentemente que a liderança conquista-se, não se impõe.

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E Paul Kruger sucede a... Manuel Pinho!

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Numa altura em que as fronteiras nacionais são cada vez mais transparentes e cada vez menos restritivas...

- Quando as empresas já não são nacionais (mas muitas vezes nacionalizadas). São assimiladas por outras empresas estrangeiras ou compradas, mas mantendo tudo menos uma identidade puramente nacional;

- Quando os clubes já não são de um qualquer país, mas de um milionário russo ou árabe;

- Quando os jogadores da Selecção Nacional são excedentários de um outro país;

- Quando os gestores públicos não são portugueses, mas "importados", por alegada competência em área específica;

Pensar que todas as respostas aos problemas nacionais estão dentro das fronteiras é tolice. Se a verdade fosse esta, os clubes de futebol não compravam jogadores estrangeiros. Os portugueses podem ser muito bons em muitas coisas, mas por ventura (e para descontentamento de muito nacionalista fundamentalista), não serão todos bons em todas as coisas.

Vamos a um "suponhamos": Um Ministro da Economia, chamemos-lhe ficticiamente de Manuel Pinho, faz um gesto obsceno/cómico/ofensivo no Parlamento Nacional e é demitido (ou demite-se). Em seguida à cena de poucas lágrimas e muito suor, o Primeiro-Ministro anuncia não a transformação "marvellesca" de Teixeira dos Santos em Super-Ministro, (mesmo estando perto das "novenas" das eleições) mas a contratação (sim, contratação) de Paul Krugman para preencher a vaga deixada pelo antigo governante obcecado por linguagem gestual.

"Meu Deus (para quem acredita; meu Jesus para os benfiquistas)! Mas o homem não é português! Nem socialista!"

Realmente, não é. Mas é prémio Nobel da Economia em 2008, pela sua "Análise de padrões de comércio e localização da actividade económica".

Entre pagar um ordenado de ministro a um português de capacidade profissional nacional e pagar um ordenado semelhante ou maior a uma pessoa estrangeira que ostenta o mesmo título académico, mas cuja capacidade profissional está a um nível de excelência mundial... meus amigos, desculpem-me a falta de nacionalismo, mas que venha o "cámone"!

Naturalmente que estamos em terreno fantasioso. Portugal nunca conseguiria contratar o Paul Kruger, que é o equivalente economicista ao Cristiano Ronaldo, mas há por aí muito "jogador" de excelente técnica e domínio da bola. So para dar uma ideia, há cerca de 200 candidatos de variadíssimas nacionalidades para cada categoria do Prémio Nobel.

Porque não expandir o conceito de globalização de recursos de gestão governamental? (caso tenha acabado de o criar, digamos desenvolvimento, maturação e expansão).

Se o Shaktar Donetsk e o Zenit de S. Petersburgo (sim, esses colossos europeus) podem ganhar a Taça Uefa com recurso a mão-de-obra estrangeira em campo, porque não pode o meu país ser dos primeiros a livrar-se da crise, mesmo não sendo com um onze titular lusitano?

A folha de ordenados do Governo ia tornar-se mais pesada do que a Margarida Martins em cima do José Carlos Malato, em cima de Fernando Mendes? É provável. Mas poupava-se milhões em chatices vindouras e erros previsíveis.

Ao fim ao cabo, a contratação internacional já se faz em todo o lado, até nas empresas do Estado.

Imaginem as campanhas eleitorais: "Boa noite! O PSD acaba de anunciar a contratação de Giuliano Tremonti para a pasta das finanças, caso vença as eleições legislativas. O actual ministro italiano já fez saber que está entusiasmado com a hipótese de "vestir a camisola" verde-rubra e que fará tudo para tirar Portugal de "uma situação complicada". Recorde-se que ainda ontem, o PS tinha anunciado que a escolha para ficar com a tutela das finanças é Wolfgang Clement, antigo ministro alemão da Economia e Trabalho."

O exemplo é o económico, mas é aplicável ao restante elenco governativo e estatal (eu salvaguardava os cargos de Primeiro-ministro, Presidente da República só para os 100% "tugas", não vão os espanhóis começar a ter ideias de anexação...). Não forçosamente, mas hipoteticamente.

A globalização é inevitável? Que seja! Mas ao menos que tiremos proveito dela...

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Fim do mundo

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Era noite cerrada. Daquelas que não se vê um palmo à frente do nariz. Escura como o buraco onde se meteu o Sporting. No centro da cidade erguiam-se altas estruturas cúbicas e cilíndricas, cinzentas e pretas. O único som naquela vastidão de altos e baixos geométricos vinha de um carrinho de cachorros quentes, empurrado por uma pequena figura arqueada. Não mais alto do que uma mesa de canto, o velho tinha a cara enrugada como um Shar-Pei (aquele cão dos anúncios, cheio de dobras). As longas barbas brancas faziam dele uma espécie de Pai-Natal dos esfomeados.

O ranger da roda esquerda daquela caixa branca, já suja do uso, entrava pelo ouvido e martelava o tímpano como a voz de Paulo Portas. De lado na caixa, podia ler-se em tipo de letra universitário e a encarnado a inscrição "salsicha quente e fresca". A originalidade da coisa normalmente até chamava a clientela, mas este dia... nem vivalma. Nem carros, nem motas, nem sequer os vagabundos lá estavam hoje. Marlene, a prostituta que costumava rondar as esquinas do bairro não estava lá. Era velha demais, feia demais e faladora demais para que alguém a quisesse levar por uma noite ou sequer por uma hora. Nunca tinha clientes, mas estava lá todos os dias. Tinha-se tornado um hábito. Este dia... não. Teria alguém perdido a cabeça e comprado o tempo de Marlene? Um cego, surdo e mudo, talvez... Mas, e os outros?

Da boca do velho do carrinho apenas duas palavras, repetidas circularmente vezes sem conta: "acabou tudo, acabou tudo, acabou tudo..." Estaria a falar de quê? Das salsichas? Das esperanças do Sporting em ganhar o campeonato? Do mundo?

Subitamente um infernal apito soou por toda a cidade. Como o alarme de um carro amplificado mil vezes, o som insistia e ficava cada vez mais alto. Não resisti mais... levantei a mão e esmurrei o despertador como se fosse a minha professora de matemática do 9º ano (eu hei-de vingar-me um dia...). Acordei sobressaltado com apenas um pensamento a percorrer-me a mente... Apetece-me salsichas!

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